Proibição da maconha no Brasil e suas raízes históricas escravocratas

                           Proibição da maconha no Brasil e suas raízes históricas escravocratas


Este texto discute a proibição da maconha no Brasil, iniciando por uma visão histórica do uso do cânhamo desde o Paleolítico até os primeiros livros impressos e as Grandes Navegações. Em seguida, são abordadas as leis penais brasileiras e suas transformações ao longo das condições da Colônia, Reino Unido, Império e República, enfatizando a marca racista que séculos de regime escravocrata deixam no imaginário social. Após a abolição da escravatura e a proclamação da República, concomitantemente à imigração europeia e ao desejo de 'embranquecer' a sociedade brasileira, o racismo passou a se sustentar sobre as bases pseudocientíficas do pensamento Lombrosiano, que chegaram através de autores Positivistas. Finalmente, são reportados os fatos mais marcantes do proibicionismo em relação às drogas e as mudanças no campo legal ao longo dos séculos XX e XXI, relacionando-os ao relevante papel das Marchas da Maconha no Brasil e no mundo. Palavras-chave Maconha; poder punitivo; História do Brasil; racismo; direito penal Marijuana Prohibition in Brazil and Slavery Historical Roots Abstract: The subject of this paper is marijuana prohibition in Brazil. It begins with an overall view of the use of hemp from the Paleolithic to the early printed books and Great Navigations seafaring. Then, we discuss Brazilian penal law and its changes during Colony, Portuguese United Kingdom, Empire and Republic, pointing out the racist mark on Brazilian social imaginary after centuries of slavery practices. With the abolition of slavery and the proclamation of Republic, while European immigration was stimulated as a way of “whitening” Brazilian society, racism was supported by the pseudoscientific ideas of Lombroso, brought by Positivist thinkers. Finally, recent facts in this field are reported including penal law changes during the XX and XXI centuries pointing out the relevance of National and Global Marijuana March Movement in this process. 1 Advogado criminalista, Mestre em Ciências Penais (UCAM). 2 Professora Adjunta da Escola de Educação Física e Desportos, UFRJ. Doutora em Sociologia (UnB).
Keywords Marijuana; punitive power; History of Brazil; racism; criminal law No passado era legal A política criminalizadora de condutas relacionadas à produção, à distribuição e ao consumo de determinadas substâncias psicoativas e matérias primas para sua produção, ocultando a identidade essencial em todas as substâncias psicoativas e a artificialidade da distinção entre drogas lícitas e ilícitas, é, hoje, a mais organizada, mais sistemática, mais estruturada, mais ampla e mais danosa forma de manifestação do proibicionismo a nível mundial. (Karam, 2009:1). Ao apontar a artificialidade inerente à distinção entre as chamadas drogas lícitas e ilícitas, a juíza Maria Lucia Karam demonstra o caráter de construção social do proibicionismo nesse campo, tema desenvolvido ao longo deste texto, em especial, sob uma perspectiva histórica. De fato, embora tenha sido tornada uma droga ilícita no século passado, anteriormente, a maconha era não somente legalizada, como consistia num relevante insumo econômico na Europa, utilizado desde os tempos do paleolítico. Escrita com as mesmas sete letras, a palavra maconha é um anagrama de cânhamo, matéria-prima de grande importância no Renascimento. Gutenberg utilizou papel de cânhamo para produzir as 135 primeiras Bíblias impressas do mundo, localizando-se um desses exemplares no acervo da Biblioteca Nacional, na Cinelândia, Rio de Janeiro. Na Renascença, a maconha era um dos principais produtos agrícolas da Europa. Prova de sua grande influência na mudança de mentalidades é que, além das páginas de papel de cânhamo dos primeiros livros impressos, artistas pintavam em telas feitas com suas fibras. Tanto que a palavra Canvas, usada em várias línguas para designar “tela”, é uma corruptela holandesa do latim 'cannabis': Desde a antiguidade, gregos e os romanos usaram velas e cordas de cânhamo nos navios. No século XV, cultivado nas regiões de Bordéus e da Bretanha, na França, em Portugal e na África, o cânhamo era destinado à confecção de cordas, cabos, velas e material de vedação dos barcos, que inundavam com frequência em longas navegações. 


 O produto obtido de suas fibras, dotado de rigidez e elasticidade, proporcionava às caravelas uma enorme velocidade. Incluindo velame, cordas e outros materiais, havia 80 toneladas de cânhamo no barco comandado por Cristóvão Colombo, em 1496 (Robinson, 1999). O cultivo de cânhamo em terras lusas tornou-se massivo à época das Grandes Descobertas, pois fornecia o material das embarcações portuguesas. Decreto do rei D. João V, de 1656, comprova que o incentivo à produção de maconha era uma política de Estado. Tendo chegado graças às velas de cânhamo de suas embarcações, a história oficial diz que foi Pedro Alvares Cabral que descobriu o Brasil. Como já viviam milhões de nativos aqui, chamados pelos portugueses de índios, pois imaginavam estar chegando às Índias, ninguém descobriu nada! Ou então, podemos dizer que a maconha descobriu o Brasil. Poder Punitivo no Brasil A fim de enfocar a questão do poder punitivo, saltamos alguns séculos, para o momento em que a Coroa Portuguesa fugiu das tropas de Napoleão, em novembro de 1807. Ao chegarem ao Brasil, os cerca de 15 mil portugueses assustaram-se com a ideia de viver numa cidade cuja maioria da população era formada de escravos. Além do âmbito da segurança pessoal e coletiva, o intendente de polícia, figura importada da metrópole, era responsável pelas obras públicas e pela garantia de abastecimento de água e iluminação da cidade, atividades economicamente relacionadas.
 Na qualidade de Proibição da Maconha no Brasil André Barros e Marta Peres supervisor de obras, o intendente “tinha nos presos um fluxo contínuo de mão-de-obra, que ele podia transferir da cadeia ou pelourinho para as obras da estrada” (Idem:53). Com a função de manter a tranquilidade da ordem pública e o patrulhamento da cidade, em 1809, foi criada a Guarda Real de Polícia. À medida que seus truculentos membros passavam paulatinamente a substituir os antigos capitães-do-mato, sua atuação relacionava-se à “polícia de costumes”, ou seja, repressão de festas com cachaça, música afro-brasileira e, evidentemente, maconha. Ataques a quilombos situados nos morros eram uma das principais atividades repressivas. Consta que o policial Miguel Nunes Vidigal, célebre pelo terror que espalhava entre os “vadios e ociosos”, na maioria, escravos que iam aos “batuques”, prendeu certa vez mais de 200 pessoas, dentre homens, mulheres e crianças, num quilombo do Morro de Santa Teresa (Idem Ibidem:46-7)3 . Tendo surgido oficialmente em 1808, no contexto da vinda da família real, a polícia brasileira foi constituída sem qualquer limite legal, já que uma lei penal propriamente dita somente entrou em vigor em 1830. Nesta época, conviviam elementos ideológicos contraditórios, à medida que o Brasil, desde o século anterior, passava a representar um papel importantíssimo para a economia portuguesa. Sob um aparente liberalismo da metrópole, aumentava a opressão sobre a colônia. De fato, “uma série de reformas inspiradas no despotismo esclarecido tornou o controle português mais penetrante, eficiente e opressivo para o nativismo brasileiro emergente” (Holloway, 1997:44). Enquanto na metrópole, onde fora criada a Intendência, vigorava o despotismo esclarecido e já se podia identificar alguma 3 “Esses ataques brutais eram chamados de 'ceias de camarão', alusão à necessidade de descascar o crustáceo para se chegar à sua carne cor-de-rosa. Em vez do sabre militar comum, o equipamento normal de Vidigal e seus granadeiros era um chicote de haste longa e pesada, com tiras de couro crú em uma das extremidades, o qual podia ser usado como cacete ou chibata” (Idem Ibidem: 49). 









                                                                   

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